terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Dossiê II: Trabant: A Simplicidade Incompreendida da Alemanha Oriental

Quando os ventos da mudança sopraram naquele 9 de novembro de 1989, não apenas Berlim seria diferente, mas todo o mundo. Naquele dia milhares de berlinenses uniram-se no muro onde ainda vigorava a ordem de atirar para matar em quem se aproximasse, e juntos derrubaram aquele que, chamado muro da vergonha, fora o símbolo da guerra fria. A crise da RDA (República Democrática Alemã) chegava a seu ápice. Manifestações gigantes em Leipzig e Berlim reclamavam transformações no regime.



Naquele 9 de novembro o Partido anunciou finalmente o novo código que permitia que os cidadãos viajassem livremente. A ordem só valeria para o dia seguinte, mas os berlinenses não agüentaram esperar. Naquele dia, caía o muro que durante 28 anos separara não só uma cidade, mas famílias e amigos, que finalmente podiam se reencontrar. Era o começo do fim da DDR, que havia comemorado seu quadragésimo aniversário.

Quando, naquele momento de alegria, os milhares de berlinenses antes separados começaram a se juntar, começaram também a ficar expostas as diferenças entre os dois regimes. Uma das coisas que mais chamaram atenção dos alemães ocidentais foi o estranho e fumacento carrinho com que seus irmãos do leste vinham conferir as maravilhas do oeste. Era o Trabant, produzido na DDR desde 1957 pela Sachsering.




O regime socialista considerava o automóvel mero meio de transporte, e o carro particular, coisa do sistema capitalista. Os mesmos argumentos foram usados para frear o desenvolvimento de novos produtos -- como uma versão a diesel e um hatchback com motor a quatro tempos, projetado em cooperação com a Skoda, que nunca vingaram.

O Trabant deveria ser o carro do povo da DDR, o automóvel dos trabalhadores. A fábrica ficava na cidade de Zwickau, que antes da Segunda Guerra Mundial havia sediado a produção da Horsch e da Audi, ambas do grupo Auto Union. O primeiro Trabant era um compacto com carroceria de material plástico em configurações três-volumes e perua (Universal), ambas de duas portas apenas, e com desenho simples e condizente com a época. Foi batizado de P50 -- sigla para plástico e para o motor de cerca de 500 cm3.

O plástico, similar à fibra-de-vidro mas de fabricação mais barata e viável para larga escala, não era reciclável, o que criaria um problema nos anos 90: como eliminar as velhas carrocerias abandonadas. A solução foi um fungo capaz de consumir o material. Em 1962 vinha a primeira evolução, o P60, com motor ampliado para 594 cm3. Dois anos depois chegava o P601, com alterações apenas estéticas na dianteira e na traseira, que o tornavam mais retilíneo.

O carrinho de apenas 3,37 metros de comprimento e 1,5 metro de largura usava motor de dois cilindros e dois tempos, refrigerado a ar. Gerava míseros 26 cv de potência (6 cv a mais que o anterior) e 5,3 m.kgf de torque; não tinha comando, válvulas, bomba de óleo, radiador ou bomba d'água. O combustível chegava ao carburador pela força da gravidade.

Desempenho não era o forte do Trabant, que chegava à velocidade máxima de 100 km/h e acelerava de 0 a 80 em 20 s, apesar de pesar apenas 615 kg. Por outro lado fazia cerca de 11 km/l na cidade e 14 na estrada -- em seu ritmo lento, naturalmente. Em 1988, pouco antes da queda do muro, a Sachsering tentou modernizá-lo e passou a utilizar o motor de quatro cilindros, quatro tempos e 1,1 litro do VW Polo -- outras tentativas haviam sido feitas por usuários, algumas com motor do Fiat 128.
Apesar disso, após a abertura do mercado o carrinho não resistiu à concorrência com os modernos modelos ocidentais. Às exatas 14h51 do dia 30 de abril de 1991 era encerrada a produção do Trabant, depois de 3.069.099 unidades vendidas não só em países socialistas, como também na Holanda e Bélgica, por exemplo -- claro que em pequena quantidade.


Estima-se que existem hoje cerca de 200 mil Trabants em circulação, cobiçados por colecionadores de todo o mundo. O Trabi, como foi carinhosamente apelidado, permanece como o maior símbolo da extinta DDR e de tudo que ela representou. O fim do singelo automóvel coincide com o fim da guerra fria e da divisão bipolar do mundo. Hoje ele é um marco desse tempo que passou, um tempo que ficou para trás quando sopraram os ventos da mudança. 








Atualmente a Sachsering produz peças para Jaguar, BMW, Audi e Opel e recentemente passou a oferecer suas ações na bolsa de valores de Frankfurt. A empresa foi privatizada em 1994, após a reunificação, e salva da extinção pelos irmãos Ulf e Ernest-Wilhelm Rittinghaus, que a tornaram lucrativa. Na época da falência empregava 8 mil funcionários, hoje apenas 500. Comenta-se que uma empresa norte-americana adquiriu os direitos de produção e tem planos para relançá-lo, com desenho e mecânica atualizados, em uma fábrica no Usbequistão.

O Trabant foi incluído, pela revista TIME, na lista dos 50 piores carros de todos os tempos.



Esse eu vi pessoalmente, em Budapeste.

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